O tráfico de drogas e a exploração sexual são as piores formas de trabalho infantil, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nesta terceira reportagem sobre o Trabalho Infantil Urbano, a Folha apresenta a história de uma mãe que perdeu dois filhos para drogas, mas conseguiu resgatar um. A publicação mostra como a vulnerabilidade das crianças que se encontram no comércio informal em logradouro público pode ocasionar na cooptação delas pelo tráfico de drogas. Segundo Rafaela Pontes, da ONG Visão Mundial, “a pobreza aumenta o ingresso na criminalidade”.
Dona Marly Marques sentiu, por duas vezes, a dor de ver os filhos serem derrotados pelas drogas. Um deles chegou a vender entorpecentes como meio de sobrevivência na fase de adolescência. Não terminou os estudos. Só cursou até a 6ª série do Ensino Fundamental. Aos 21 anos, Fábio foi assassinado, vítima de sete tiros. Motivo: desavenças com outros criminosos. Luciano morreu aos 24 anos, levado por uma overdose. O recrutamento de crianças para o tráfico de entorpecentes e prostituição são as piores formas de trabalho e exploração infantil, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em sua convenção 182/1999, cujo Brasil é signatário. “Primeiro, ele começou a vender para poder alimentar o vício, depois passou a compor grupos para o comércio (de drogas). Dizia que não valia a pena arrumar um serviço para ganhar apenas um salário mínimo”, declarou a dona de casa.
Como a maioria, os filhos de dona Marly também tiveram as vidas ceifadas precocemente, seja pelo envolvimento com o tráfico de drogas ou pelos malefícios causados pelo uso de entorpecentes. Fábio ainda chegou a ser preso sob a acusação de venda de drogas. Passou cinco meses no Aníbal Bruno. Da vida, não conheceu o lado lúdico, apenas a falsa impressão de “ganhar dinheiro fácil” que o tráfico alimenta. Da mesma forma, muitas outras crianças são aliciadas por essas facções e condenadas a uma vida curta.
Mãe de mais dois filhos, dona Marly sobrevive com a pensão do ex-companheiro, cerca de R$ 120, e R$ 70 do Bolsa Família. O filho de 35 anos, ela conseguiu resgatar das drogas. Casado, ele mora com a esposa e um filho num imóvel anexo à casa da mãe. O rapaz dá duro para sustentar a criança que concebeu. Com medo do passado, ele pediu para não ter o nome revelado pela reportagem e pouco falou. A filha de dona Marly é mãe de mais quatro pequenos. Ao todo, a dona de casa tem seis netos. O sexto é filho do filho que já morreu. Todos moram na Zona Norte do Recife. De acordo com Rafaela Pontes da ONG Visão Mundial, “o tráfico de drogas é muito sedutor. A renda quadriplica em um dia e a pobreza aumenta o ingresso na criminalidade”.
Para a auditora fiscal do trabalho, Paula Neves, “o menino de 10 a 13 anos de idade, ao vender um produto na praia, por exemplo, ainda sensibiliza o comprador”. Entretanto, quando chega aos 16 anos, já não transmite mais o sentimento de pena. A sociedade passa a temê-lo. “Ele já não consegue vender da mesma forma e o tráfico acaba sendo uma alternativa para ganhar dinheiro”.
Segundo o secretário de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Estado, Bernardo D’Almeida, a situação de pobreza e vulnerabilidade levam jovens para as atividades delituosas. “Inexistem dados oficiais que vinculem o trabalho infantil à cooptação de crianças pelo tráfico ou mesmo pela exploração sexual. No entanto, é notório que a situação de miséria vivenciada por inúmeras famílias pode vir a ser um fator de atração para atividades ilícitas”. Para o procurador Leonardo Mendonça, do Ministério Público do Trabalho (MPT), “quando o menor está sujeito ao trabalho na rua, ele está vulnerável a todos os problemas que vêm junto com ele, inclusive à exploração sexual e ao tráfico de drogas. Qualquer trabalho ilegal traz outras formas ainda mais graves de ilegalidade. Por isso defendemos o trabalho do jovem aprendiz, pois ele estará presente em um ambiente de formação, onde será supervisionado de forma adequada”, disse Leonardo, acrescentando: “Uma criança que está trabalhando em um bar e em ambientes inadequados pode conviver com essas pessoas inescrupulosas que se aproveitam da situação para obrigá-las a cumprir tais atividades traumatizantes”, informou.
Estatística ainda é elevada
De 2011 para 2012, o Estado saiu da 24ª posição no Ranking Nacional do Trabalho Infantil para 22º, segundo dados do IBGE. Houve um aumento de 5,70% para 6,63%. Estima-se que aproximadamente 137 mil menores de 18 anos estejam inseridos nesse tipo de atividade em Pernambuco. Em 2013, foram acompanhados 14 municípios inseridos no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Em 2014, esse número ampliou para 55, de acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SDSDH).
Ainda segundo o órgão, foram atendidos 3.351 crianças e adolescentes do PETI nas 12 Regiões de Desenvolvimento, durante o Projeto CRIART/PETI, que desenvolveu atividades lúdico-recreativas e de fortalecimento de vínculos nos municípios de Pernambuco. “Ajudamos a organizar, junto com o Fepetipe, a I Marcha estadual Contra o Trabalho Infantil, que reuniu mais de mil pessoas no centro do Recife”, declarou o secretário Bernardo D´Almeida. “Capacitamos 707 secretários municipais de assistência social, gestores e técnicos da rede socioassistencial”, completou. Conforme explicou a SDSDH, apesar de tudo, um dos aspectos mais importantes para limar esse problema é a desmistificação da crença de que o trabalho infantil é uma virtude e afasta crianças e adolescentes da marginalidade. “O trabalho infantil no Brasil e em Pernambuco persiste como um sério problema social. São milhares de crianças e adolescentes sem seus direitos preservados e garantidos. Essas crianças começam a trabalhar muito novas, seja na lavoura, na criação de animais, em fábricas ou casas de família, geralmente sem receber qualquer remuneração, e acabam abandonando a escola precocemente ou tendo rendimento insuficiente quando não abandonam os estudos”, declarou D´Almeida. Para ele, é preciso garantir que esses jovens vivam de forma plena sua infância, com tempo para brincar, aprender e também ensinar.
Marília Neves/Folha de Pernambuco