A crise financeira mundial e seus reflexos no Brasil

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thumbnail_1348862488.jpg “Dar resposta à crise exige uma postura política arrojada e uma orientação econômica de concepção desenvolvimentista. O Partido Comunista do Brasil defende a elevação substancial dos investimentos públicos e privados para garantir um crescimento econômico acelerado e duradouro, superando os atuais 19% do PIB para algo em torno de 25%”.

 

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Luciana Santos (*)

Neste cenário de crise, é possível indicar dois vetores estratégicos capazes de contribuir para a retomada do crescimento brasileiro. Em primeiro lugar a noção de que é indispensável o papel do Estado como indutor fundamental desse processo. Num segundo plano, a ideia de que a indústria de transformação continuará a ser por um longo tempo uma alavanca que merece atenção especial

O capitalismo gera suas crises. Foi assim em 1929 com a queda da Bolsa de Valores de Nova York, que até 1932 lançou um terço dos trabalhadores americanos no desemprego e alcançou o mercado brasileiro com a queda violenta do preço do café, então principal produto de exportação do Brasil. Em seguida, outras crises se manifestaram em 1973 e 1979, com o choque do petróleo, que influenciou negativamente nas taxas de desenvolvimento nacional e no crescimento da dívida externa, respectivamente.  A moratória mexicana em 1982 afetou vários países, inclusive o Brasil, fazendo com que tivessem que recorrer e se endividar junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A nova queda histórica da Bolsa de Nova York, em 1987, mostrou ao mundo o potencial desestruturador de uma crise num mercado financeiro globalizado.

Mais uma vez, em 1997, a crise da Ásia, e 1998 a crise da Rússia impactaram o mercado financeiro. A resposta do governo brasileiro elevando em até 45% a taxa de juros não obteve resposta positiva e o país também sofreu os seus efeitos nefastos. Em 2001 a queda do índice Dow Jones, em Wall Street, alcançou a marca de 10% do mercado de ações da Bolsa de Nova York, e cerca de 8 trilhões de dólares foram perdidos naquele momento. Ali já havia indícios do que seria a maior crise do mercado financeiro americano, conhecida como crise imobiliária, que teve seu auge em 2008 e cujo desdobramento atingiu como nunca a economia mundial.

Uma espécie de efeito dominó teve início com a quebra do banco Lehman Brothers. Outras instituições bancárias e de crédito americanas foram atingidas na crise chamada “subprime”, potencializada fortemente pela bolha do mercado hipotecário dos setores imobiliário e de construção civil. O mercado financeiro globalizado permitiu que a crise chegasse rapidamente a outros países. As conseqüências ― que começaram na esfera financeira ― logo atingiram a produção de bens e serviços, o nível de emprego, a dinâmica do comércio internacional, o ritmo de consumo e se tornaram uma realidade ameaçadora.

Nos países centrais os governos adotaram políticas visando evitar o colapso do sistema financeiro, alocando gigantescos recursos públicos nas instituições bancárias e de crédito e estabelecendo políticas de isenções e incentivos para as grandes empresas continuarem suas atividades produtivas. Essas medidas, no entanto, surtiram algum efeito apenas nos Estados Unidos.

As características da União Europeia ― que a despeito dos avanços alcançados ainda se encontra em um processo de consolidação da unificação ― propiciaram a concentração das ações especulativas nos mercados financeiros. Espanha, Irlanda e Grécia, para citar apenas alguns exemplos, enfrentam situação de recessão, desemprego e forte resistência do movimento sindical e da sociedade civil organizada. Ainda assim, as autoridades monetárias do centro dinâmico da União Européia insistem na receita de aprofundamento da receita recessiva com os cortes orçamentários em setores estratégicos como saúde, transporte e educação e estímulo à financeirização das economias.

As crises fazem parte do movimento dialético do desenvolvimento do capitalismo. Karl Marx, ao longo de sua obra O Capital, tratou do tema em seus vários aspectos, explorando as particularidades do processo global de produção e delimitando as marcas desse fenômeno. A despeito de não ter conseguido escrever um livro específico sobre essa questão, neste trabalho ele nos fornece elementos sólidos para análise dos processos atuais. Já na lei geral da acumulação capitalista Marx analisa os elementos contraditórios que constituem seu fundamento ― aumento ilimitado da produção e diminuição proporcional da demanda ― que está contido no DNA da crise. A valorização do capital em detrimento das necessidades humanas gera a miséria, a pobreza e o desemprego. E para além da crise econômica, nos encaminha para uma crise de fundo moral que incentiva o individualismo e ataca o próprio conceito de sociedade.

A resposta do governo brasileiro no enfrentamento da crise

Dar resposta à crise exige uma postura política arrojada e uma orientação econômica de concepção desenvolvimentista. O Partido Comunista do Brasil defende a elevação substancial dos investimentos públicos e privados para garantir um crescimento econômico acelerado e duradouro, superando os atuais 19% do PIB para algo em torno de 25%. “Essa demanda exige uma reforma do Sistema Financeiro Nacional, tendo por objetivo fortalecer continuamente o sistema público financeiro como pólo bancário fundamental para o desenvolvimento nacional; vincular a ação do Banco Central do Brasil ao objetivo do desenvolvimento; direcionar o sistema bancário comercial para o financiamento, em especial de longo prazo, dos investimentos de grande massa de empresas”, diz no Programa Socialista para o Brasil, documento orientador da sua política partidária.

No enfrentamento da crise, o Governo Lula reduziu alíquotas de impostos, aumentou o gasto público, baixou os juros e ampliou o crédito público, implantando, em certo grau, uma política tributária, fiscal, monetária e creditícia anti-recessiva, promovendo diretamente e financiando a produção e o consumo em vários setores. Manteve e aprofundou as políticas sociais de transferência de renda, numa agenda que fez o Brasil sobreviver à crise, inclusive adotando uma política de valorização crescente do salário mínimo.

Por sua vez, a presidenta Dilma Rousseff, busca, além das medidas iniciadas no governo anterior, a reorientação da política macroeconômica, aprofundando a redução das taxas de juros e os spreads bancários e monitorando o câmbio, adotando medidas corajosas que apontam para um novo rumo na economia nacional. Essas medidas, assim como a maior regulação do câmbio e a desoneração de alguns impostos, são políticas significativas para uma agenda pelo desenvolvimento e a retomada da industrialização no país, mas que ainda tem se mostrado insuficiente.

Industrialização, crescimento, ciência e tecnologia

Com o aumento do investimento público, observa-se em algumas regiões do país um processo de retomada do crescimento. Em Pernambuco, por exemplo, estado em que o PIB cresce acima da média nacional, é a indústria de transformação a grande responsável por esses índices positivos.

Os investimentos estatais e privados na recuperação do parque industrial pernambucano tiveram grande retorno, sobretudo nos setores automobilístico, siderúrgico, de petróleo e gás, da indústria naval e da produção de alimentos.

A mudança da matriz econômica, tradicionalmente voltada à agroindústria e agora estruturada em um parque produtivo moderno, impulsionou o crescimento estadual. Apesar do recuo de 23,8% apresentado na agricultura, o crescimento de 9,0% da indústria garantiu a média de 4,6%, patamares comparáveis aos maiores crescimentos do mundo. Os dados são da Agência Estadual de Planejamento e Pesquisa de Pernambuco, Condepe.

É importante observar, ainda, o impacto na economia local dos investimentos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Na primeira versão do programa, aproximadamente R$ 500 milhões foram investidos em projetos de urbanização e infraestrutura. Com o PAC 2, cerca de R$ 107 milhões serão investidos em estudos topográficos e geotécnicos, planos urbanísticos e execução de obras e projetos habitacionais, — isso sem falar do PAC de infraestrutura urbana voltado diretamente para as cidades — o que aqueceu o setor da construção civil, além de influenciar diretamente a qualidade de vida do povo pernambucano e nordestino.

Observando o caso de Pernambuco é possível atestar dois vetores estratégicos capazes de contribuir para a retomada do crescimento brasileiro. Em primeiro lugar a noção de que é indispensável o papel do Estado como esteio indutor fundamental desse processo. Num segundo plano, a ideia de que a indústria de transformação continuará a ser por um longo tempo uma alavanca estratégica e merece atenção especial.

A desindustrialização, embora seja tema controverso, é fenômeno que considero dos mais preocupantes na agenda do novo projeto de desenvolvimento. É preciso enfrentar a perda de competitividade da nossa indústria, para além dos ajustes feitos pelo governo na economia, aumentando os investimentos em infraestrutura e, sobretudo, investindo fortemente na pesquisa tecnológica e na inovação.

Tecnologia, aliás, é a palavra chave para elevar o Brasil a um novo patamar. O Banco Mundial, no Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1998-1999, afirma: “Os países (e as pessoas) pobres diferem dos ricos não apenas porque têm menos capital, mas porque têm menos conhecimento”. Roberto Cavalcanti de Albuquerque, em prefácio à publicação Pernambuco Competitivo (2009) comenta: “Lançava-se um novo olhar sobre os problemas do desenvolvimento. Olhar que deu origem à chamada economia criativa, baseada no conhecimento, a nova riqueza das nações, postulando empresas, sociedades, estados inovadores para poderem ser competitivos, dinâmicos, eficientes e empregando técnicas genéricas e especializadas, bem como novos métodos de gestão privada e administração pública”.

Em termos de conhecimento temos algumas boas experiências nacionais. Embraer, Petrobrás, destaco os resultados apresentados pela Embrapa, empresa brasileira de pesquisa reconhecida e respeitada internacionalmente. As tecnologias desenvolvidas pela Embrapa mudaram a agricultura do país.

De acordo com a Embrapa, “as tecnologias para incorporação dos cerrados no sistema produtivo tornou a região responsável por 67,8 milhões de toneladas, ou seja, 48,5% da produção do Brasil (2008). A soja foi adaptada às condições brasileiras e hoje o País é o segundo produtor mundial. A oferta de carne bovina e suína foi multiplicada por 4 vezes enquanto que a de frango aumentou 22 vezes (período 1975/2009). A produção de leite aumentou de 7,9 bilhões em 1975 para 27,6 bilhões de litros, em 2008 e a produção brasileira de hortaliças, elevou-se de 9 milhões de toneladas, em uma área de 771,36 mil hectares,  para 19,3 milhões de toneladas, em 808 mil hectares, em 2008”.

Além disso, tem destaque a assistência à agricultura familiar e à incorporação de pequenos produtores ao agronegócio através de programas de pesquisa específicos. No âmbito internacional a empresa mantém acordos com aproximadamente 76 países, onde se destacam os acordos de transferência de tecnologia na Embrapa África, em Gana, na Embrapa Venezuela, e na Embrapa Américas, no Panamá.

A economia agrária é elemento de permanência na história do desenvolvimento nacional e até hoje é variável estratégica em qualquer país. Basta ver o valor das commodities primárias no conceito da economia global, mesmo neste ambiente de crise. É necessário investir nesse setor, aliando vocação e tecnologia como elementos estruturantes da economia nacional.

A instabilidade da economia mundial

O cenário econômico mundial passa por grandes turbulências desde a crise financeira desencadeada em 2008, como vimos no início deste artigo. As maiores economias do planeta mergulharam na recessão ou na estagnação. Desta forma os mais importantes centros financeiros procuraram jogar para as economias em desenvolvimento o ônus das dívidas fabulosas que aqueles Estados contraíram para salvar grandes bancos e conglomerados industriais afetados diretamente pela crise. Como alertou já há algum tempo o ministro da Fazenda Guido Mantega, os Estados Unidos deflagraram uma verdadeira guerra cambial para tentar resolver seus problemas, inundando os países da periferia do sistema com bilhões de dólares em busca de valorização.

Em função desta política, as previsões de crescimento para este ano no Brasil decrescem a cada semana, chegando a 2,3% nas melhores hipóteses e 1,8% nas projeções mais desanimadoras. E ainda teremos alguns meses pela frente para alargar a margem de queda ou, na melhor das hipóteses, estancar a tendência. O nível de atividade econômica registrada em abril aumentou 0,2 com relação ao mês de maio. Mas ainda não alcançou o nível de dezembro. Vale lembrar que comparando com as taxas de crescimento do ano passado o crescimento mais expressivo se deu no primeiro semestre.

O governo tem-se movimentado nos últimos meses em diversas frentes, principalmente com a queda continuada dos juros. A pequena desvalorização cambial é insuficiente, assim como têm sido constantes as intervenções do Banco Central no mercado cambial para a manutenção do preço do dólar na casa do R$ 1,98, neste início de julho.

Como temos assistido nos casos da crise financeira nos EUA e na União Europeia, o capitalismo é movido pela ação do Estado e pela expectativa dos empresários. A ação do Estado no Brasil – desde os primórdios da industrialização brasileira – foi fundamental, mas atualmente ainda é muito lenta, pontual e mediada pela falta de agilidade na máquina. As previsões de baixo crescimento e grandes fatias do mercado interno entregue facilmente ao concorrente externo prejudicam a expectativa dos empresários. O resultado é bem previsível sendo a queda da taxa de investimentos mais rápida que a queda da taxa de juros.

Hoje temos de enfrentar um cenário externo de grande instabilidade e falta de previsibilidade. A chave da questão atual é como buscar um alto nível de investimento público e privado, que nos insira nos setores mais dinâmicos da cadeia produtiva global, nas tecnologias chamadas “portadoras do futuro”, a exemplo das energias renováveis, TI, biotecnologia, farmoquímicos, entre outras; desenvolvendo a nossa indústria e acelerando a capacidade científica, tecnológica e de inovação de nosso parque industrial e agrícola. O desafio é antes de tudo político, mais do que propriamente econômico e financeiro.

*Artigo publicado na Revista Princípios, edição 119 (jun/jul 2012)

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